segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A ÁRVORE AZUL – CAPÍTULO 4 - Os espíritos das trevas


A morte me afastou do meu corpo. Logo que me observei fora dele, fui sacudido por um grande temor, porque percebi que ainda estava vivo, apesar da morte física. Comecei a achar que o inferno realmente existia como eu havia aprendido nas aulas de evangelização na Igreja Batista. Vi meu corpo ensangüentado e pessoas correndo de um lado para o outro sem direção, pisando em cima dela. Confesso que eu não sabia distinguir quem era realmente vivo ou morto naquele cenário de desespero.

De repente, uma criatura alta, aparentando ser um chefe ou alguém que mandava diante daquele caos, com fisionomia humana, mas num corpo de um grande animal, tipo um camelo, ordenava aos seus:

- Prendam todos! Não deixe ninguém escapar! Fiquem atentos aos enviados da luz! E olhando para mim disse: - Prendam este aqui, especialmente. Ele é um dos nossos. Os anjos do cordeiro não o querem!

Vi que se aproximavam de mim outras criaturas disformes, horrendas, meio gente, meio bicho, com grandes mãos, tendo os dedos pontiagudos, os pés tortos e um odor detestável que em uma voz esquisita, como se estivem engasgados, falavam e depois riam sarcasticamente:

- Agora vocês verão o nosso rei! (gargalhadas)

Fui levado, como preso, amarrado por algemas invisíveis por um local que pode ser visto apenas em pesadelos. Caminhando por lamas fétidas, eu e os outros presos, formávamos uma grande fila de infelizes. Uns estavam nus, outros com poucas vestes e alguns, como eu, com roupas sujas e rasgadas. Em silêncio, apenas interrompido por gritos de horror, caminhamos por horas. Não tinha coragem de perguntar nada a ninguém, mas muitas dúvidas assaltavam na minha mente: Onde estava? Que gente era aquela? Tinha morrido ou era tudo um pesadelo?

Pela lama, pisando em pedras afiadas e percorrendo caminhos escuros, onde o chão era coberto de vegetação fétida e árvores disformes davam a sensação infernal ao local, caminhei com os outros condenados. Chegamos exaustos a um local, que para melhor descrever comparo a uma grande prisão fincada na rocha, feito castelo medieval circundado por um abismo e por uma imensa escuridão. De vez em quando raios rosa e branco rasgavam o céu sem estrelas. Um dia saberia que as luzes eram os espíritos superiores, sob o comando de Jesus Cristo, a mergulhar nos abismos em busca das “ovelhas desgarradas”. Uma voz estridente bradou:

- Os celestes seres querem ajudá-los, mas nunca conseguirão! Disse um dos soldados que nos recebera.

Apesar do susto não gritei de pavor. Meio tonto, meio cansado e com muita fome, entrei junto com os outros, como numa marcha fúnebre, na prisão. Seres altos e disformes gritavam, seguidos de risos sarcásticos:

- Avante infelizes! Vocês morreram! Sejam bem-vindos ao inferno! (risos)

Já tinha noção que havia morrido. Não era tão bobo para não perceber aquela situação. Porém, confesso, aquela sensação era horrível. Sentia dores provocadas pelo tiro e percebia que estava totalmente ensangüentado. Desejei pensar em minha mãe e em meu pai, mas uma força mental poderosa não deixava. Apenas um desejo de vingança percorria as fibras do meu consciente. Mas me vingar do que? De quem? Tudo estava confuso. Tudo.

Enquanto alimentava dúvidas, presa de sensações incomuns, uma grande porta se abriu. Entrei. Fui levado, junto com outros condenados, a um salão. De lá, descemos escadas que não pareciam ter fim, agigantando-se num precipício. Gritos e risos, além de vozes que pareciam sair das paredes a nos acusar de assassinos, ladrões, pervertidos agravava ainda mais a situação. Um dos seres estranhos que nos acompanhavam ordenou que parássemos. Olhei para o alto e percebi que estava bem abaixo da superfície, cerca de uns 300 metros. Uma voz estridente se vez ouvir:

- Filhos do ódio, quem voz fala é o vosso rei. Serviram bem aos nossos propósitos enquanto estavam na carne, levando desespero, morte e dor aos que se colocaram em nosso caminho. Bem ou mal, covardes ou corajosos fizeram o que sugerimos pelas vias mentais. Hoje, recebemos-lhes de volta ao nosso miserável mundo, onde jamais terão acesso à luz. É bem verdade que todos vós são também esperados pelo Nazareno. Mas ele vos abandonou. Morreram e não foram buscá-los. Na cruz ele disse que estaria ao lado apenas do bom ladrão. Como vocês não são bons ladrões... (risos). Eu, porém, o verdadeiro rei de todos vocês, quero oferecer-lhes mais que o Nazareno. Eu luto, ao lado de todos que aqui vivem, pelas glórias reais. A riqueza, a luxúria, o poder... Tudo que vocês buscaram na terra, tudo que vocês desejam também aqui, terão. Eu vou dar-lhes. Mas para isso é preciso fazer o que quero. Obedecer minhas ordens.

Fez ligeira pausa e prosseguiu:

- Quero o mundo aos meus pés e terei isso, em breve, com a ajuda de vocês. Hoje, cansados e combatidos, retornam a este ambiente. Vocês não morreram para sempre. Estão mortos apenas por um período. São espíritos e vivem agora para poder atanazar aqueles a quem odiamos.

E com a voz mais estridente bradou:

- Eu vou libertá-los do julgo do Messias. Ele, o falso rei, tentará engana-los, mas vocês resistirão. Agora eu posso! Agora eu quero! É assim que iremos vencer os filhos da luz. Vocês são fortes e verão a mim que vos criei para serem os instrumentos das dores daqueles que lhes feriram. Vocês ao meu lado conquistarão o mundo e juntos seremos os verdadeiros herdeiros da terra prometida. A terra com dinheiro, sexo a todo instante, poder, vingança... Eu sei que vocês estão loucos para se vingar daqueles que prejudicaram vocês. E irão. Eu prometo! Por hora, vocês deverão ficar aqui, presos, para que o Cordeiro não venha roubá-los de mim. Quem ceder aos apelos Dele pagará até o fim dos séculos. Durmam e amanhã eu voltarei a vos falar.

Gritos de glória, palavras de saudação foram ouvidas em alto tom, nos assustando. Como que envolvido pelo clima também comecei a seguir as frases ditas, compartilhando daquele cerimonial. Como ele havia ordenado, comecei a sentir um sono irresistível. Fomos levados aos quartos coletivos, onde mais de 300 camas estavam dispostas lado a lado em fileira de 10. O prédio abrigava aproximadamente cerca de 3 mil pessoas, homens e mulheres.

Acabei dormindo feito uma pedra. Tive um sonho onde pude recordar parte da minha infância. Nele, não pude ver meus pais, apesar de desejar muito e senti-los perto de mim. Mas o sonho era muito confuso e um misto de revolta e saudade invadiu minha mente.

Fomos acordados com um grito de ordem. Já vestidos com uma bata negra, descalços, fomos levados ao pátio principal, onde uma grande multidão se formava em auditório. A fome havia passado e aquilo me intrigou. Seres esquisitos voavam por nossas cabeças, outros se arrastavam, como se estivessem paralíticos, e alguns gemiam, muitos declarando testemunhos de ódio a Deus. Eu conseguia entender pouca coisa, mas também proclamava palavras de baixo calão. Aprendi na vida a fazer muita coisa que outros queriam. Foi isso que me prejudicou, também. Acompanhei a maioria e bradei contra Deus.

De repente parou o tempo. Tudo ficou em silêncio. O que era aquilo? Nem o vento frio que soprava pelo salão continuou. É como se o tempo tivesse parado de fato. Como seria possível aquilo tudo? Será que estava sonhando ainda? Pancadas fortes no solo começaram a ser ouvidas, como se um grande animal, tipo um dinossauro, estivesse se aproximando. Ou será que eram tambores? Não sei descrever claramente. O pátio, que dava para um abismo, era enorme e tinha um pé direito altíssimo. Do escuro abismo, que circulava o castelo, saiu uma gigantesca serpente com cabeça humana, trazendo os olhos vermelhos e sangue nas presas. Olhei apavorado, acompanhando os gritos dos demais.

- Calem-se malditos! Dizia a serpente, nos circundando e deixando-nos apavorados.

De olhos petrificados, mas seduzidos, calamo-nos diante da ordem da terrível criatura. Depois de alguns segundos, a serpente recomeçou a falar sobre um plano que os espíritos superiores estavam executando para resgatar os caídos da terra. Após as críticas feitas aos esforços do bem, entre risos e gritos pavorosos, concluiu:

- Vocês ficarão aqui por longos séculos. Um dia, porém, a Lei os evocará e retornarão à carne. Lá, mesmo com a oportunidade da vida física, concedida pelo suposto Criador, vocês servirão aos nossos propósitos, e eu os monitorarei. Vocês estão em mim e eu estou em vocês para sempre. Conheço a todos e sei dos mais secretos pensamentos. Sei dos delitos e crimes que cometeram, suas saudades, seus sonhos e desejos. Seus pobres e podres corações sãos meus. Eu reconduzirei cada um à Terra sob a proteção dos infernos para continuarem a perseguir, maltratar e matar, espelhando a corrupção, o sexo, o ódio, as drogas a um número cada vez maior de homens, trazendo para mim os escolhidos do Cordeiro, inclusive. Por hora vocês se dedicarão noite e dia aos propósitos individuais de vingança. Sigam os instrutores e aprendam a devolver em dobro todo o desprezo que o mundo teve por vocês. Não se deixem penetrar pelos invisíveis e astutos soldados da luz. Se cederem, eu vou atrás de vocês até o fim do mundo e prometo tormenta-los eternamente se me traírem.

A serpente voltou para sua toca, deixando um odor de morte, de corpo em putrefação pelo caminho. Na boca dela, vi pessoas sendo devoradas. Que imagem terrível foi aquela! Gritavam por socorro, mas nada vinha socorrê-los.

A reunião acabou e fomos levados em grupos às salas escuras, iluminadas por tochas que estavam penduradas na parede semelhante as que existiam em castelos medievais. Lá recebemos orientações sobre os planos daquele dia em diante.

3 comentários:

  1. Divulgue para sua rede de relacionamentos.

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  2. Acho que a Casa da Caridade deveria imprimir este material e lançar na próxima bienal do livro aqui em Maceió. O que acham?

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