quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A ÁRVORE AZUL – CAPÍTULO 2 - Minha vida em crise


Seguiram-se os anos... Eu me tornara um delinqüente assumido, desordeiro imprevidente e alma extremamente viciada nos prazeres da vida. Fiquei sabendo que minha adorável mãe estava muito doente, acamada há muito tempo, cuja recuperação pouca esperança se tinha. Enchei-me de coragem, vencendo o medo da reação do meu pai e fui vê-la.

Aproximei-me lentamente da minha antiga morada, sendo observado pelos olhares dos vizinhos da rua. Alguns, inclusive, entravam em suas casas com o olhar inquiridor. Senti-me só, mas fui adiante. A porta estava entreaberta, como se alguém tivesse passado e esquecido de trancar – meu pai tinha esse costume. Entrei. Na sala, alguns parentes surpreenderam-se com minha presença. Tudo estava cuidadosamente no lugar. Avisaram a meu pai, que veio ao meu encontro muito bravo. Tocou-me no ombro, causando-me susto e dizendo austeramente:

- O que você deseja seu ingrato? Que obra mais dos infernos quer nos legar? Já não basta a dor causada ao meu coração? Já não basta a morte quase certa de tua mãe, que desgostosa entregou-se a doença por tua culpa? Você quer agora ver o que sobrou de nós? Suma daqui e nunca mais volte!

Sem sentir remorso algum e com um ar de superioridade falsa, argumentei:

- Pouco me importa o que você pensa, velho! Não peço perdão, porque fiz o que quis. Estou em paz com a minha consciência. Quero ver a minha mãe apenas. Posso?

- É, você disse muito bem: você fez o que quis. Agora eu faço o que devo. Você foi embora em sorrateira noite, deixando sua mãe e eu em profunda agonia. Em nenhum momento você pensou em nós! Aliás, alguma vez pensou em nós? Você partiu sem deixar rastro algum, sem perguntar se nós iríamos sofrer. Agora, como disse, faço eu: suma daqui, se não eu te mato!

Com os olhos marejados, sabendo no íntimo que ele tinha razão em externar tanta revolta, não me abalei e perguntei se ela estava morrendo, o que ele me respondeu com muita tristeza:

- O que acha? Morre como pássaro preso por mãos cruéis. Morre sem esperança. E você é o único culpado de tamanha desgraça!

Passei pelo meu pai sem esforço e entrei no quarto. Aliás, ele não me deteve, vencido pelo cansaço emocional. Adentrei e vi minha mãe muito pálida. Sentei-me ao seu lado e segurando as mãos observei seus olhos fechados, que lentamente se abriram para me ver, como que sentindo minha presença. Com o olhar perdido, ela disse com a voz trêmula:

- Filho meu! Amado filho do meu coração. Que bom que você voltou para o nosso lar. Deus, Nosso Pai, atendeu as minhas preces. Posso agora morrer em paz.

Na porta do quarto, que observava-nos bradou:

- Ingrato! Ingrato! Você é uma tortura para todos nós! Olha como sua mãe se encontra!
- É o nosso filho – retrucou minha mãe, com a voz muito cansada. Ingrato ou não, é o filho do nosso amor. Foi ele quem geramos e que Deus nos deu como presente dos céus!. É um filho de Deus! Olha para ele, homem: é uma alma a pedir abrigo.

Segurando minha mão, fez ligeira pausa e continuou:

- Filho me perdoa, eu não compreendi os teus desejos loucos. Sim, são loucos, mas são seus. Permita que eu parta com o teu perdão.

Fechei os olhos em pranto silencioso e disse angustiado:

- Perdoar? Não posso fazer isso porque sou eu o culpado de tua dor. Sou eu quem deve pedir perdão. Não parta mamãe, eu a amo!
- Cala-te insano e cruel! Gritou meu pai. – Eu te proíbo de falar com ela. Disse isso me agarrando pelo braço e me levando até a rua, arrematando-me com gritos de acusação:
- Louco! Você matou sua mãe. Viciado! Pobre alma! Filho de satanás! Mato-te se aparecer aqui.

Usei de palavras rudes também e partir aflito pela rua. Apreensivo, atravessei a noite até sentar num banco de praça. Enquanto as palavras do meu pai repercutiam em minha mente, mais raiva tinha dele e de mim. Chorei por minha mãe, como uma pequena criança. Dormi no banco, sendo acordado por um policial, sob a força do cacete:

- Some vagabundo! Teu lugar não e aqui.

Levantei e fui rever meus comparsas de vícios. Voltei aos meus afins... Os dias foram passando... Resolvi rever minha mãe numa outra tentativa corajosa. Entrei na casa e um cachorro veio me assustar, vindo alguém estranho à porta.

- O que você quer seu vadio? Perguntou um homem maduro, vestido de pijamas.
- Quem é você? Onde esta o meu pai? Perguntei assustado.
- O antigo dono foi embora há alguns dias, cheio de dor e tristeza. Retornou para a cidade onde nasceu, após a morte da esposa.
- Morte? A esposa dele morreu? Perguntei entre espanto e dor.
- A mulher adoeceu de desgosto. Você é o filho ingrato que matou a mãe? Se for é melhor sumir daqui! Detesto gente como você.

A notícia me fez cair num abismo sem fim. Senti-me inundado de indescritível dor e chorei, caindo de joelhos no chão da calçada. Fui abruptamente sacudido por água fria:

- Some desgraçado! Agora você chora a morte de tua mãe! Por que não percebestes antes os teus atos? Por que não pensaste nisso antes? Você é um miserável! Some!

Levantei-me indignado, mas sem forças para reagir. Molhado, sob os olhares dos outros, partir sem rumo em pranto e dor. Percorri por horas as ruas, chegando num local estranho. Parecia um velho armazém abandonado. Faminto, pedi esmola, sem nada receber. Comi um pedaço de frango jogado na lata do lixo. Minha mãe morreu e meu pai tinha voltado a sua cidade. Eu estava só.

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