quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A árvore Azul - Capítulo 3 - Trágico reencontro

Há muito tempo eu não tinha notícias do meu pai. O tempo passara para mim de forma muito cruel. Eu estava com 30 anos, não possuía, nem de longe, a fisionomia de uma pessoa normal. Cabelos longos e maltratados, roupas sujas e rasgadas, caminhava pelas ruas da cidade meio sem rumo: um pedinte. O odor que eu exalava era muito forte, afastando aqueles que de mim se aproximavam. Recebia, repassava e consumia maconha e cocaína, levando outros tantos a fazerem a mesma coisa que eu. Mesmo na miséria, ainda era útil para o tráfico. Quando o sono chegava, era o álcool o “combustível da ilusão”, permitindo que eu e meus comparsas espirituais pudéssemos, então, manter mais forte a simbiose.

Vivia subjugado às inteligências infelizes que vampirizavam-me, sendo um instrumento fácil nas mãos dos meus afins. Não sei quantas vezes fui preso e fugi, vivendo na marginalidade, no crime, sob o risco de morrer e matar constantemente. Uma vez matei uma das minhas amantes, porque ela não quis fugir comigo. Frio e egoísta, acreditava que os outros deviam fazer a minha vontade sempre. Soube depois que despertei para a Luz, que um dia irei me reencontrar com ela e com tantos outros para me redimir dos meus erros.

Passaram-se mais dois anos e era primavera de 1978. Eu estava caminhando com muito cuidado, com medo de ser reconhecido, por uma rua esquisita de um bairro popular. O plano era fazer uma limpeza geral numas casas que tinham aparelhos elétricos. Com a venda do roubo iríamos, eu e meus comparsas, comprar mais drogas, afinal assim é a vida de um viciado. Um dos meus “amigos” veio me avisar que avistara um senhor de uns sessenta anos aguardando o ônibus chegar e parecia que ele detinha alguma quantia, porque segurava com muito cuidado um tipo de bolsa. De imediato senti uma vontade de recuar, logo eu que não perdia uma parada dessas estava engatando a ré? Pois é, de repente senti um desânimo, uma vontade de não desejar fazer o mal. Contudo, meu comparsa estimulava-me, alimentado, por sua vez, por espíritos infelizes como nós. Recordo-me que naquele dia amanheci saudoso, pensando nos meus pais. Minha mãe morrera de desgosto por minha culpa e meu pai havia desaparecido da minha vida há anos. Apesar dessa sensação estranha, aceitei o convite nefasto.

Eram aproximadamente 21 horas quando avistamos um homem solitário sentado num banco de parada de ônibus. Aproximamo-nos dele como quem nada desejava. O velho, desconfiado, usava muletas para andar e se apoiar. Senti pena de imediato, mas não tive tempo de adiar os planos. Num golpe só meu amigo se atirou sobre o homem, empurrando-o e aos gritos ordenou que eu pegasse a bolsa e um pacote que ele carregava. De repente me senti tomado por um sentimento de piedade pelo “velho” indefeso, pedindo para que meu comparsa parasse com aquele ato de violência.

- Cala a boca Luis! Ele nos viu e pode nos reconhecer. Precisa morrer! Gritou Carlos, meu comparsa.
- Não! Deixe ele ir embora! Vamos pegar o pacote e nos mandar daqui. Retruquei preocupado e ansioso.

Neste momento, Carlos sacou uma faca do bolso da calça e esfaqueou o velho.
- Não! Gritei! Gritei tão alto que parecia que era em mim que a faca perfurava.

Não sei como aconteceu, mas naquele instante vi uma luminosidade em minha frente, como uma visão. Envolta em luz, percebi, sob espanto, dor e remorso que era minha mãe. Sob mecanismos que desconhecida, sem entender o que estava se passando, olhei para o homem que se esvaia em sangue nos meus braços. Carlos havia corrido com o pacote, me deixando sozinho. Virei o corpo que tremia, com cuidado, reconhecendo, para meu susto e desgraça, no rosto envelhecido e dorido, a fisionomia do meu pai. Uma profunda dor invadiu meu peito, como se eu estivesse perdendo as forças, como se o chão estivesse se abrindo para que eu caísse. Os olhos de meu pai banhados de lágrimas procuravam os meus, reconhecendo algo de familiar no meu rosto transfigurado pelas drogas. Com a voz trêmula, mas com aquela mesma firmeza de sempre, disse:

- Filho, por que tanta infelicidade? Por que me deixaste assim?
- Pai, meu pai! Minha voz embargava.

Neste momento, uma mão tocou-me suave nos ombros. Era minha mãe, dizendo-me:

- Agora ele vai comigo. Deus te abençoe meu filho. Sempre quis te avisar, de aconselhar, mas você nunca me ouviu. É chegado o momento de recomeçar, mas sob novas condições. Confie em Jesus e você vencerá.

Olhei para meu pai e vi os olhos se fechando lentamente. De repente ouvi gritos, sirenes, além de perceber que muita gente vinha ao meu encontro. Quis fugir, mas algo me deteve; talvez minha consciência.

- Peguem o ladrão! Ele matou o idoso! Gritou um dos populares.

Senti que braços truculentos me pegavam e sob tapas e empurrões fui colocado numa viatura. Minutos depois estava trancafiado numa sela fétida na delegacia. Ao lado de outros ladrões e assassinos fui jogado. Eles me olhavam com tanto ódio que meu tinha receio de encará-los.

Algumas horas haviam se passado... Um dos presos, com uma voz que parecia ter o peso de uma navalha, perguntou:

- Mas você é um infame! Matou o próprio pai! Vai morrer aqui meu chapa! Você vai morrer bem devagar!
- Tu vai morrer aqui mesmo! Disse outro.

Como afins se atraem, meu olhar de revolta não se mostrava submisso a vontade deles. E o tempo foi passando... Enquanto estava preso ouvi palavras sarcásticas, promessas mortais, gargalhadas cruéis e risos irônicos. Não conseguia dormir e era comum ouvir vozes me chamando de assassino. Mas eu não havia matado meu pai. Estavam me acusando de algo que na realidade eu não havia feito. Contudo, como quem anda com porcos farelos come, acabei sendo acusado.

Acostumado com a situação, acabei sendo transferido para a penitenciária, onde aguardei o julgamento. Junto com outros companheiros, com mais ódio do mundo e de todos, fui ficando mais violento ainda. Já estava cercado de inimigos por todos os lados e boa parte dos presos e dos policiais da carceragem me temia. Um homem que teve a coragem de matar o próprio pai não teria nenhuma dificuldade de matar qualquer outro, assim eles pensavam.

Certo dia, sob forte influência dos demais, querendo fugir ou talvez um desejo íntimo de morrer, liderei uma rebelião, colocando fogo nos colchões da cela. Fumaça, gritos, violência. Alguns carcereiros a serviço do crime e por uma boa quantia em dinheiro facilitaram a fuga. As selas foram abertas e as correntes arrebentadas, a de alguns, é claro. Corremos todos em várias direções, uns com o desejo de fugir e outros com a vontade de se defender das balas que fatalmente chegariam em minutos. O pânico se estabeleceu e o cenário era de terror. Fui vendo corpos caindo, outros sendo arrastados e mais tantos feridos. O plano havia tomado proporções maiores e outras facções dentro do presídio estavam se aproveitando a fuga para matar os líderes das gangues rivais.

O caos estava instalado. Os policiais chegavam para controlar a rebelião e os tiros vinham de toda parte. Gritos, estrondos...De repente senti um impacto. Olhei em minha volta e percebi que tudo parecia escurecer e que as vozes, os gritos estavam se distanciando. Coloquei a mão sob meu peio e senti o sangue escorrer pelos meus dedos. Cai de joelhos, vendo alguns dos meus comparsas tombarem junto comigo acusando-me do fracasso da fuga. Morri, enfim.

Um comentário:

  1. Sônia Veloso de Amorim3 de novembro de 2010 às 17:48

    ESTOU AMANDO A LEITURA, MAS FICO ANSIOSA PARA LER MAIS! EXCELENTE IDÉIA A DE POSTAR UM LIVRO COMO ESTE. PARABÉNS!

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